No livro «A Violência do Mundo», Edgar Morin utiliza um termo curioso para falar do estado actual do mundo: desesperança.
E aponta dois caminhos, «dois princípios de esperança na desesperança». O primeiro é o princípio da metamorfose. Assim como acontece com a lagarta que se transforma numa borboleta, assim também este complexo sistema de vida tem de criar um meta-sistema. O problema que está em jogo é o problema das metamorfoses: como passamos de uma forma para a outra? Como chegaremos a esse meta-sistema, recriado e transformado a partir do património existente? Como construímos o diferente a partir do mesmo? Não dá resposta.
Depois aponta o seu segundo caminho: a possibilidade da mudança a partir da possibilidade do improvável entrar na História. E descreve como a predição de Hitler, isto é, de que o seu império duraria mil anos, veio a ser destruída por causa de alguns imponderáveis – factores improváveis que entraram na História e mudaram o cenário por inteiro. E o desespero é tanto que chega mesmo a aconselhar-nos a que «procuremos ter um pouco de fé no improvável».
Ficamos com pouco. Primeiro ficamos a saber que necessitamos de um meta-sistema mas não sabemos como fazê-lo nascer. Estamos como estava o poeta inglês Matthew Arnold (1822-1888): «entre dois mundos, um já morto e outro sem força para nascer».
Depois, ficamos a saber que temos de ter fé…no improvável! Isto é, temos de esperar que uma certa desordem futura interfira na História e mude esta desordem presente. Este caminho, apontado por Morin, não chega para construir um sistema de esperança. Temo, até, que se seja causador de maior desesperança; mais, de desespero.
Se o existencialismo ateu nos oferece pouco, a religião também não oferece muito mais. O que ela faz é oferecer-nos sistemas de «esperança adiada», uma esperança que vai fazendo o coração adoecer porque não se realiza na concretude do presente. Provérbios 13:12 diz tal e qual: «a esperança adiada faz adoecer o coração»! E adoece o coração porque promete o incerto, o impreciso, o inexacto.
Mas não podemos ficar prisioneiros nem da «fé no improvável» nem da «esperança adiada». Tem de haver outro caminho: o grande desafio não é esperar por um outro mundo: é construir um mundo-outro. E temos de assumir que teremos de ser, cada um de nós e em cada momento, esses artesãos da esperança através da forma como vivemos, convivemos e tecemos a vida. Mais do que ter esperança, importa ser esperança.
Luís Melancia